Usar armas nucleares ainda é tabu?

Publicado por: Mike.N
22/07/2022 12:37:58
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Cortesia Editorial Pixabay
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O mundo está começando a esquecer a realidade das armas nucleares

 

       * Professor Heni Ozi Cukier

 

By Nina Tannenwald, a senior lecturer in political science at Brown University and the author of The

Nuclear Taboo.

 

Em março de 1990, a revista New Yorker publicou uma história em quadrinhos de JackZiegler que representava o otimismo no fim da Guerra fria. A ilustração mostra um executivo sentado em sua mesa, enquanto um funcionário entra no escritório, carregando uma grande bomba com barbatanas. “Traga essa bomba aqui, por favor, Tom, e coloque a na minha caixa de correspondência”, diz o executivo. “Claro, chefe!”, responde o funcionário.

 

A imagem de colocar bombas nucleares “na caixa” era o símbolo da esperança que muitos tinham de que uma nova fase de cooperação entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética estava começando. O medo de começar uma guerra nuclear entre as duas maiores potências diminuiu, e muitos tinham a expectativa de que as armas nucleares, embora ainda existissem, não fossem mais fundamentais para a política internacional.

 

Mikhail Gorbachev, o último líder da União Soviética, declarou, em junho de 1991, que “o risco de uma guerra nuclear global praticamente desapareceu”. Hoje, mais de 30 anos depois, as bombas nucleares estão de volta na caixa. O medo de uma guerra nuclear entre os Estados Unidos e a Rússia voltou com uma vingança. Como consequência da brutal invasão russa à Ucrânia e as graves ameaças nucleares de oficiais russos, o mundo está mais próximo do uso de armas nucleares, por desespero – ou por acidente ou erro de cálculo – do que em qualquer momento desde o início dos anos 1980.

 

A Guerra Russo-Ucranina serve como um duro lembrete de algumas antigas verdades sobre as armas nucleares: há limites para a proteção que a dissuasão nuclear oferece. (Armas convencionais talvez garantam mais proteção). Em uma crise, a dissuasão é arriscada, e não automática e autoaplicável, e há sempre a chance de falhar.

 

Nas primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial, muitos militares americanos, líderes políticos e muitos cidadãos aguardavam ou temiam que as armas nucleares seriam usadas de novo. Hisoshima e Nagasaki tornaram os horrores da bomba atômica visíveis para todos. A ideia de que uma guerra nuclear poderia acontecer a qualquer momento permeava a sociedade americana. Muitas construções da Guerra Fria – inclusive escolas, aeroportos, e até hotéis, foram feitas com bunkers. A instrução de “abaixe e se proteja” em caso de um ataque nuclear (ao invés de correr até a janela para olhar) se tornou parte de exercícios de simulação de defesa que todo cidadão americano, até mesmo crianças, foi estimulado a praticar.

 

Filmes como A Hora Final (1959), uma obra de ficção científica pós-ocalíptica, retratavam um mundo destruído pela guerra nucelar. Estrategistas militares como Herman Kahn, que foi uma das históricas inspirações do personagem insano que dá nome à clássica comédia de humor mórbido Dr. Strangelove, de Stanley Kubrick, fazia proselitismo sobre “pensar o impensável” – a necessidade de pensar sobre como lutaríamos e sobreviveríamos a uma guerra nuclear. Eventos como a Crise dos Mísseis em Cuba tornaram esses medos claramente reais. Durante 13 dias em outubro de 1962, o mundo chegou mais perto do que nunca de uma guerra nuclear. Na época, muitas pessoas acreditavam que o mundo estava prestes a acabar em nuvens de cogumelo.

 

No entanto, ao longo do mesmo período, desenvolveram-se normas de contenção. Um tabu nuclear – uma inibição normativa contra o primeiro uso de armas nucleares – surgiu como resultado de interesses estratégicos e preocupações morais. Um movimento antinuclear global, junto com Estados sem armas nucleares e as Nações Unidas, buscaram, ativamente, estigmatizar as armas nucleares como armas de destruição em massas inaceitáveis. Depois do medo da crise dos mísseis, os Estados Unidos e a União Soviética também levaram adiante acordos de controle de armas para ajudar a estabilizar a “balança do terror”. Essas normas de controle nuclear ajudaram a cultivar a tradição de quase 77 anos sem uso de armas nucleares, a característica mais importante da era nuclear.

 

Hoje, entretanto, a maioria desses acordos de controle de armas foram descumpridos, e os Estados com armas nucleares estão novamente participando de uma custosa corrida armamentista. Estamos em um período de excesso nuclear ao invés de restrição. Tudo isso nos traz ao atual momento e à grande questão que surge na mente de todo mundo:

 

Os líderes russos têm tabu nuclear? O presidente russo Vladmir Putin usaria uma arma nuclear na guerra com a Ucrânia?

Ele certamente quer que o mundo – principalmente os Estados Unidos – pelo menos pense que ele usaria. No dia em que ele anunciou o começo de uma “operação militar especial” na Ucrânia, Putin avisou que, se algum país tentasse interferir na guerra, sofreria “consequências que jamais foram experienciadas na história”, o que muitos consideraram como uma ameaça nuclear velada. Outros oficiais russos deram declarações similares durante a guerra.

 

Até agora, é mais provável que essas ameaças sejam mais para dissuadir a OTAN do que para realmente usar. Aparentemente, a Rússia não aumentou o nível de alerta de suas forças nucleares, mas ativou um sistema de comunicação que poderia iniciar uma ordem de lançamento. Oficiais russos certamente estão cientes de que qualquer uso de armas nucleares traria graves consequências para a Rússia e para Putin, inclusive uma condenação e vexame internacional. Como o embaixador russo nos Estados Unidos, Anatoly Antonov, disse no começo de maio: Foi o nosso país que, nos últimos anos, propôs, de maneira persistente, aos colegas americanos afirmarem que não pode haver vencedores em uma guerra nuclear, logo isso nunca deveria acontecer. No entanto, o risco de Putin usar uma arma nuclear não é nulo, e, à medida que a guerra continua, mais alto se torna o risco.

 

Tanto os Estados Unidos quanto a OTAN não fizeram o mesmo discurso dos oficiais russos (ameaças nucleares) nem tiveram o mesmo comportamento (maior prontidão das armas nucleares), mas, sim, disponibilizaram grandes quantidades de armas convencionais para a Ucrânia, enquanto prometeram responsabilizar a Rússia pelos crimes de guerra. Apesar das tentativas dispersas dos Estados Unidos de criar uma “zona de exclusão aérea” sob quase toda Ucrânia, o governo de Biden sabiamente resistiu. Na prática, isso significaria derrubar aviões russos e provocar a Terceira Guerra Mundial.

 

Todavia, enquanto a guerra continua, os Estados Unidos talvez estejam sonâmbulos em uma guerra ainda maior, e, portanto, mais perigosa. A fraca performance militar russa incitou sistemas de mísseis defensivos e países anti-Rússia a mudarem seus objetivos de simplesmente ajudar a prevenir a derrota ucraniana para criar uma Rússia “enfraquecida”, como sugeriu o Secretário de Defesa dos Estados Unidos Lloyd Austin no dia 25 de abril.

 

Um número preocupante de comentaristas de política internacional, incluindo militares americanos aposentados e apoiadores da OTAN que deveriam ser mais cuidadosos, incitaram, com certa indiferença, o governo Biden a ter uma postura mais agressiva na ajuda com a Ucrânia ou então tentar a vitória, a despeito do risco de uma escalada nuclear.

 

Usar a guerra para reafirmar a hegemonia dos Estados Unidos é uma jogada perigosa. Há um cheiro de esquecimento nuclear no ar. Uma razão pela qual a guerra fria permaneceu fria foi que os líderes americanos reconheceram que enfrentar um adversário nuclearmente armado impõe restrições à ação. Quando a União Soviética invadiu a Hungria em 1956 e Tchecoslováquia em 1968, os Estrados Unidos se abstiveram de responder com força militar.

 

No entanto, hoje existe uma geração inteira (ou mais) de pessoas para quem as realidades assustadoras da Guerra Fria e o exercício “abaixe e se proteja” são eventos em livros de história, e não experiências vividas. Conforme o historiador Daniel Immerwahr escreveu recentemente: “Essa é a primeira década em que nem um único chefe de um estado nuclearmente armado pode se lembrar de Hiroshima”.

 

Ao tornar as armas nucleares vivas de novo, a Guerra Russo-Ucraniana nos lembra não somente dos benefícios, mas também do risco significativo e dos limites da dissuasão nuclear. A dissuasão provavelmente impediu a Rússia de expandir a guerra para os países da OTAN, como Polônia e Romênia. O arsenal nuclear russo impediu a OTAN de intervir diretamente, mas isso também não conseguiu ajudar a Rússia a tomar ou manter um território importante na Ucrânia ou obrigar Kiev a se render. Mais importante, a guerra nos lembra que controlar a escalada de tensões é algo altamente desconhecido.

 

Nós não temos ideia do que aconteceria se uma arma nuclear fosse realmente usada. A guerra também nos lembra que, no fim, as normas são quebráveis. Nos últimos anos, inúmeras normas que antes foram consideradas robustas foram solapadas. Normas de democracia são sob ameaça nos Estados Unidos e em outros países. Internacionalmente, os Estados têm corroído as normas de integridade territorial, do multilateralismo, do controle de armas e do direito humanitário. O tabu nuclear, embora amplamente difundido, está mais frágil do que outros tipos de normas, porque pequenas violações provavelmente o destruiriam.

 

"Heni Ozi Cukier, também conhecido como Professor HOC, tem 44 anos, é cientista político, professor, escritor e palestrante, formou-se nos Estados Unidos em Filosofía e Ciências Políticas e é mestre em “Internacional Peace and Conflict Resolution” pela American University em Washington D.C.

Trabalhou na Organização dos Estados Americanos (OEA), no think tank Woodrow Wilson Center, no Peacebuilding and Development Institute e no Conselho de Segurança da ONU.

Em 2009, fundou a CORE SAM gestora de ativos socioambientais, posteriormente criou o Insight Geopolítico, consultoria de risco político e leciona Relações Internacionais na ESPM.

Recentemente, lançou o seu primeiro livro: “Inteligência do Carisma”. Frequentemente analisa e debate os riscos e problemas políticos nacionais e internacionais nos maiores veículos de mídia do Brasil, como Globo, Band, Record, entre outros.

Heni foi Secretário-adjunto de Segurança Urbana de São Paulo e em 2018, disputou a sua primeira eleição e foi eleito Deputado Estadual pelo Partido Novo, quando obteve 130.214 votos em 546 dos 645 municípios do Estado de São Paulo, sendo o 13o mais votado.

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